29/12/2011

2# zine Desconexões Neurais - em construção



sempre me arranca lágrimas


um homem capaz de voar


uma canção
uma simples canção em uma voz divina
como mais uma dessas coisas mais leves que o ar
insustentáveis
em sua profundidade
e doces
como uma casa vazia e um gato no colo
e um bom cigarro e um bom copo de café
ao lado

um homem capaz de voar

tudo tudo até aqui
e mais toda a desolação
e todo o aprendizado
de ouvir lágrimas de amigos e afagos
de rompante, assustados
em conversas
e sorrisos

de um homem capaz de voar

que se foi
resolveu
seguir por outro caminho
por enquanto

sim,
mas quem disse que um adeus
sempre tem de ser
para sempre
se até mesmo os raios do verão
voltaram...




31/10/2011

vem, vamos embora, que esperar não é saber


Depois da publicação especial dessas Desconexões Neurais em um splitzine, a convite do Café sem Açúcar, é hora de seguir em frente sem rodinhas e continuar a espalhar por aí esta (contra)cultura de fazer em casa nossas próprias publicações. Aproveitando então esse dia das bruxas, dos mortos e tudo mais, damos partida no processo de criação e publicação do

Zine Desconexões Neurais #1
-somente textos inéditos -
lançamento. 4 de Novembro
tiragem. 150 exemplares


conteúdo - poesia - literatura - cultura - informação
peça o seu




18/10/2011

Tempo no reflexo


Já estamos na metade do mês e ainda perdidos como no início. ainda mais agora com esse horário.
eu gosto.
eu sei que gosta. pra ficar na rua. no parque. com o pé na grama. olhando pro céu, pras coisas. sim, é bom. principalmente pra esquecer, ou lembrar, que já vai ter quase um ano. já é verão de novo. como quando as coisas começaram a acontecer e você começou a acreditar que teria uma vida mansa com tudo que já tinha.
as coisas mudaram de um jeito...
é, mudaram. como se você precisasse aprender que as coisas sempre mudam. mesmo que você não queira. principalmente quando precisa aprender alguma coisa importante. ou quando precisa desesperadamente aprender a ser outra pessoa. mesmo sem querer.
eu nunca iria imaginar, um ano atrás, que pensaria como penso hoje. mas de certa forma, acho que no fundo eu esperava por isso.
no fundo tu sempre sabia do que precisava. e do que queria. o problema é sempre ir atrás.
mas eu vou. sempre vamos. de uma forma ou de outra.
mesmo sem querer?
é, mesmo sem querer.
você é louca.
você também.
mas você não precisava ter inventado esse momento workaholic na vida. já tem quase um ano. e cadê o resto? tá compensando?
que tu acha?
acho que no fundo tu não muda é nada. esses momentos de exaustão. de não conseguir dormir. de não conseguir fazer mais nada. de querer desistir de tudo.
como assim de tudo?
é, eu sei. de achar que nada mais tem sentido. de não acreditar em mais nada. de não querer mais saber de ficar olhando pra esse monte de coisa nenhuma.
de ver o tempo e as coisas passarem a milhão. e você ali. parado. trocando os canais da tv a cabo. como se nada fosse tão importante assim.
nada é tão importante assim. NADA. NADA. NADA.
acontece que é sim. e você só não quer que seja porque fica se defendendo. achando que o mundo todo é uma grande ameaça a sua paz de espírito.
e não é? não é?
ok. é claro que é.
como se aqui dentro já não houvesse perturbação o suficiente.
e então?
então nós vamos continuar fazendo a mesma coisa. mesmo que não se queira. mesmo que seja diferente de tudo que já foi. trabalharemos demais. comeremos e viajaremos demais, às vezes. cometeremos excessos. nos estragaremos. de uma forma ou de outra. e sempre trabalharemos demais. para ter dinheiro para pagar as contas, que fizemos para compensar o tempo que passamos consumindo nossa vida com trabalho.
e rezaremos aos nossos deuses ou adoraremos aos nossos ídolos, como uma forma desesperada de nos ligarmos a algo um pouco maior do que isso tudo a nossa volta, que brilha como diamante ou faíscas de maçarico em nossos olhos cansados.
e a tudo isso buscaremos refúgio em todas as formas possíveis, orgânicas ou inorgânicas para melhorarmos nossa vida. exercícios físicos remédios carros medicamentos drogas alface álcooL café açúcar vídeo-game adoçante salgadinho coca-cola com trakinas bicicleta chocolate poesia sexo carne whisky com gelo ou puro e amargo mesmo, que nem a vida.
então nada vai mudar? e terminará um ano e começará outro, assim como cada mês, cada semana, cada dia ou cada noite que simplesmente se vai?
ou tudo irá mudar e antes que perceba lá estará você outra vez outra pessoa. e tudo estará igual e diferente. a cada dia?
vai. e não vai.
mesmo que você queira.
ou não.


18/04/2011

O estouro

demais
tão pouco

tão gordo
tão magro
ou ninguém

risos ou
lágrimas

odiosos
amantes

estranhos com faces como
cabeças de
tachinhas

exércitos correndo através
de ruas de sangue
brandindo garrafas de vinho
baionetando e fodendo
virgens

ou um velho num quarto barato
com uma fotografia de M. Monroe.

há tamanha solidão no mundo
que você pode vê-la no movimento lendo dos
braços de um relógio.

pessoas tão cansadas
mutiladas
tanto pelo amor como pelo desamor.

as pessoas simplesmente não são boas umas com as outras
cara a cara.

os ricos não são bons para os ricos
os pobres não são bons para os pobres.

estamos com medo.

nosso sistema educacional nos diz que
podemos ser todos
grandes vencedores.

eles não nos contaram
a respeito das misérias
ou dos suicídios.

ou do terror de uma pessoa
sofrendo sozinha
num lugar qualquer

intocada
incomunicável

regando uma planta.

as pessoas não são boas umas com as outras
as pessoas não são boas umas com as outras
as pessoas não são boas umas com as outras.

suponho que nunca serão.
não peço para que sejam.

mas às vezes eu penso sobre
isso.

as contas dos rosários balançarão
as nuvens nublarão
e o assassino degolará a criança
como se desse uma mordida numa casquinha de sorvete.

demais
tão pouco

tão gordo
tão magro
ou ninguém

mais odiosos que amantes.

as pessoas não são boas umas com as outras.
talvez se elas fossem
nossas mortes não seriam tão tristes.

enquanto isso eu olho para as jovens garotas
talos
flores do acaso

tem que haver um caminho.

com certeza deve haver um caminho sobre o qual ainda
não pensamos.

quem colocou este cérebro dentro de mim?

ele chora
ele demanda
ele diz que há uma chance.

ele não dirá
"não".

Charles Bukowski

13/03/2011

Um pouco de Henry Miller



(...) a pessoa se extasia com o espetáculo sempre mutante dos fenômenos momentâneos. Isto é a sublimidade, o estado amoral do artista, aquele que só vive o momento, o momento visionário de pura e prospectiva lucidez. Uma sanidade tão clara e fria que se assemelha à loucura. Pela força e capacidade de visão do artista, o todo estático e sintético a que chamamos mundo é destruído. O artista nos devolve um universo vital, vibrante, vivo em todas as suas partes.
(...)
Toda vez que nasce espiritualmente ele sonha com o impossível, o miraculoso, sonha que pode partir a roda da vida e da morte, evitar o conflito e o drama, a dor e o sofrimento da vida. Seu poema é a lenda em que se enterra, na qual narra os mistérios do nascimento e da morte - a realidade dele, a experiência dele. Enterra-se no poema-túmulo para alcançar aquela imortalidade que lhe é negada como ser físico.
(...)
O sonho artístico do impossível, do miraculoso, resulta simplesmente de sua inabilidade de se adaptar à realidade. Ele cria, assim, uma realidade própria - no poema - uma realidade que lhe convém, uma realidade em que pode viver integralmente os seus desejos, anseios, sonhos. (...) Quando o homem se torna inteiramente consciente de sua capacidade, de seu papel, de seu destino, ele é um artista e cessa de lutar com a realidade. Torna-se um traidor da raça humana. Ele cria  guerra porque deixou para sempre de marchar na cadência do resto da humanidade. (...) Vive integralmente o seu sonho do Paraíso. Transmuta sua experiência real de vida em equações espirituais. Despreza o alfabeto normal, que produz no máximo uma gramática do pensamento, e adota o símbolo, a metáfora, o ideograma. Escreve chinês. Cria um mundo impossível com uma linguagem incompreensível, uma mentira que encanta e escraviza os homens. Não é que seja incapaz de viver. Pelo contrário, seu gosto pela vida é tão forte, tão voraz que o força a se matar repetidamente. Morre muitas vezes para poder viver inúmeras vidas. Desta maneira sacia sua vingança da vida e exerce seu poder sobre os homens. Cria a lenda dele mesmo, a mentira em que se afirma como herói e deus, a mentira na qual triunfa sobre a vida.
(...)
É preciso dar um sentido à vida pela razão óbvia de que ela não tem sentido.
(...)
E a maneira de escapar da morte é escapar da vida. Isto o artista sempre expressou por meio de suas criações. Vivendo a arte ele adota o mundo como uma esfera intermediária na qual é todo-poderoso, um mundo que domina e governa. Essa esfera intermediária da arte, esse mundo onde ele caminha como herói, só se tornou realizável devido ao profundo sentimento de frustração que nasce paradoxalmente da impotência, da percepção da inabilidade de contrariar o destino.
(...)
Porque a cada fracasso realista ele se refugia ainda mais nas suas ilusões criativas. Toda a sua arte é o esforço patético e heróico de negar sua derrota humana. Ele alcança, em sua arte, um triunfo irreal - uma vez que nem é triunfo sobre a vida nem sobre a morte. É um triunfo sobre um mundo imaginário que ele próprio criou. O drama se passa inteiramente na esfera das idéias. Sua guerra com a realidade é um reflexo da guerra dentro dele mesmo.
(...)
Pois ao viver integralmente a sua lógica de sonho, e se realizar através da destruição do próprio ego, ele está encarnando para a humanidade o drama da vida individual que, para ser provada e experimentada, precisa incluir a destruição. A fim de realizar o seu propósito, porém, o artista é obrigado a se recolher, a se retirar da vida, utilizando apenas a experiência necessária para aparentar o sabor da luta real. Se escolher viver ele frustra a própria natureza. Precisa viver substitutivamente. Assim, se torna capaz de desempenhar o monstruoso papel de viver e morrer inúmeras vezes, na medida de sua capacidade para a vida.
(...)
Por meio da loucura e do êxtase o mistério do deus é reencenado e os foliões ébrios adquirem a vontade de morrer - de morrer criativamente.
(...)
Avançar para a morte! Não recuar para o útero. Sair das areias movediças, do fluxo estagnado! Este é o inverno da vida, e o nosso drama é nos firmar para que a vida possa novamente prosseguir. Mas essa firmeza só pode ser conquistada pisando sobre os cadáveres daqueles que estão dispostos a morrer.

Trechos do ensaio A  morte criativa, 
primeiro texto do livro A Sabedoria do Coração




No início da tarde de dez de março, chegando ao trabalho, deparei-me com um velho exemplar de  A Sabedoria do Coração, de Henry Miller, disposto sobre uma estante, para doação. Às vezes custamos a encontrar o livro ou o artista que buscamos. Às vezes são eles mesmos quem nos encontram. E às vezes encontramos um ao outro, um dentro do outro, e a nós mesmos, perdidos nas palavras alheias.
Justamente também, neste mesmo dia, gravei em minha pele a metáfora, o símbolo de minhas sucessivas mortes criativas. Sincronicidade ou não, prefiro assumir como um misterioso sinal; uma confirmação de que ao menos o meu real não é outro senão eu.


12/02/2011

Um pouco de Charles Bukowski ou, o velho Hank



Se vai tentar 
siga em frente.

Senão, nem começe!
Isso pode significar perder namoradas
esposas, família, trabalho...e talvez a cabeça.

Pode significar ficar sem comer por dias,
Pode significar congelar em um parque,
Pode significar cadeia,
Pode significar caçoadas, desolação...

A desolação é o presente
O resto é uma prova de sua paciência,
do quanto realmente quis fazer
E farei, apesar do menosprezo
E será melhor que qualquer coisa que possa imaginar.

Se vai tentar,
Vá em frente.
Não há outro sentimento como este
Ficará sozinho com os Deuses
E as noites serão quentes
Levará a vida com um sorriso perfeito
É a única coisa que vale a pena.




Na noite em que li este poema pela primeira vez, eu me emocionei muito. 
Não porque a noite estivesse perfeita, mas porque eu tinha lido nesses versos exatamente quem eu sou e muito do que já vivi. Depois eu encontrei no velho Hank tudo o que faltava.
C'est la vie. Parfois vous gagnez tout, d'autres vous perdez.

11/02/2011

O Grande Irmão

A liberdade é tão linda
pois vc é livre de qualquer coisa...
mas vc ñ ve...
a beleza te impede de você, ser apenas vc...
a beleza já é uma ditadura imposta pelos olhares...
para os olhares vc deve ser bonito, lindo...
pois é isso que eles querem...
te prender...
assim o mercado anda...
e ñ para!


Texto de autoria de meu parceiro no crime, O Indigente.